Fábio Correa Xavier
Diretor do Departamento de Tecnologia da Informação
do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
A inteligência artificial, por mais avançada que pareça, não pensa; ela apenas calcula previsões e combina palavras, sem intenção ou sentido profundo. Muitos acreditam que basta uma pergunta jogada na tela para obter respostas dignas de admiração intelectual. Mas esta é a farsa silenciosa que povoa a imaginação contemporânea: o modelo matemático é apenas um papagaio bem treinado, que ecoa padrões – sem compreender sua razão de ser.
É aqui que mora o verdadeiro poder do humano: não me agrada tanto falar em “perguntar” à máquina, porque quem interage com IA está não na posição de quem questiona, mas de quem comanda. A palavra importa: ao comandar, colocamos nossa intenção à frente, somos o polo ativo, não apenas dependentes da boa vontade do algoritmo. Promptar, para mim, é comandar com clareza e rigor, não pedir gentilezas ao robô.
Esse comando exige preparação: determinar contexto, intenção, exemplos, restrições, formato e limites. O improviso é inimigo da boa inteligência – tanto nossa quanto da máquina. Por isso, a qualidade de qualquer resposta deriva menos do poder algorítmico do que da precisão com que construímos nossas ordens. Prompting vira então uma verdadeira engenharia do pensamento: metodologia que demanda que saibamos exatamente para onde queremos ir, e não apenas o que desejamos ouvir.
São quatro grandes métodos para comandar a inteligência artificial, cada um refletindo modos humanos de organização mental.
O zero-shot representa o impulso: comandos objetivos, sem exemplos prévios, usados para tarefas rápidas e pouco complexas. É pedir uma tradução relâmpago ou resumir um texto de forma direta – rápido e funcional, mas limitado à superfície.
O few-shot é pedagogia aplicada: primeiro mostramos exemplos do que queremos ver, funcionamos como roteiristas, desenhando padrões para que o modelo siga. Mostramos antes de pedir, encarnamos o que esperamos da máquina. Esse método é vital em tarefas que pedem estilo, lógica recorrente ou consistência de tom e formato – é comando explicativo, não só diretivo.
O chain-of-thought eleva o patamar do raciocínio. Pedimos que a máquina aja como um bom analista: destrinche o caminho do pensamento em etapas, revelando argumentos, pesos, riscos e benefícios antes de avançar à conclusão. Aqui, cada peça da resposta aparece antes do quadro final, permitindo maior controle e transparência. É útil para decisões estratégicas, dilemas complexos e análises em que o detalhe vale mais que a síntese.
Por fim, o reflection flerta com o humano: pedimos à IA que revise seu próprio texto, que identifique falhas, melhore argumentos, ajuste o tom e turbine nuances. Chamamos a machine para ser editora de si mesma, promovendo uma lapidação iterativa, onde versões ganham clareza a cada rodada – tal como nós, que jamais tratamos nosso primeiro rascunho como versão final.
Assumir o comando da IA é, antes de tudo, assumir responsabilidade pelo pensamento. Protocolos, templates, fluxos de trabalho sistematizados: tudo isso é importante para escalar o aprendizado coletivo e instituir uma cultura de inteligência. Mas há perigo no automatismo, quando o costume sufoca a criatividade e faz o comando ficar rotineiro. O bom engenheiro de prompts tensiona, desafia métodos, propõe comandos difíceis, busca contradições e expande fronteiras – pois é do desconforto que nascem estratégias realmente novas.
Dentro das empresas, o movimento maduro de comandar IA transforma dúvidas recorrentes e desejos ocultos em prompts bem arquitetados; compartilha vitórias e fracassos, cultiva repositórios vivos de ideias, revisa e aprimora continuamente. Prompt eficaz vira protocolo, protocolos constroem inteligência coletiva, e toda a estrutura só escala conforme a consistência dos comandos que oferecemos à máquina.
Refinar é fundamental: testar comandos diferentes, salvaguardar o que funcionou, buscar o que ainda não foi descoberto. Não há comando perfeito, assim como não há pensamento definitivo. A máquina continuará a ser papagaio, sem capacidade para dúvida filosófica ou criação original. Mas, se bem comandada, pode ser menos eco e mais espelho – devolvendo não apenas o que já se sabe, mas aquilo que desafia o nosso próprio olhar.
No fim, comandar IA é rasurar mapas de si mesmo, recusar-se ao fácil, transformar perguntas em ordens potentes e ordens em exercícios de lucidez. Em tempos de soluções prontas, o verdadeiro ato de inteligência não é esperar pela melhor resposta, mas insistir em criar, formular e comandar sempre perguntas melhores – e nunca se conformar com o já previsto pelo cálculo digital.
Prompting, então, é menos sobre perguntar e mais sobre comandar com intenção e precisão. A engenharia de prompt é disciplina, risco e invenção. Que, na era dos algoritmos, o melhor comando seja aquele que nos obriga a repensar, a duvidar e a inovar.