Nova Lei de Licitações: finalmente!

Finalmente, nesta última quinta-feira (dia 10/12/20), foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei nº 4.253/20 que traz mudanças na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93) e a médio prazo a revoga integralmente, bem como a Lei do Pregão e parcialmente a Lei do RDC. O texto cria modalidades de contratação, tipifica crimes relacionados a licitações, disciplina como União, estados e municípios podem atuar, institui uma fase preparatória de planejamento e, ainda, consolida a inversão das fases como regra geral.

O projeto agora foi encaminhado para a sanção presidencial.

Atualizado os valores da Lei de Licitações

Finalmente!

A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, mais conhecida como “Lei de Licitações”, teve sua última atualização no tocante a valores das modalidades licitatórias nos idos de 1998. Ou seja, já se vão 20 anos que os valores estavam “congelados” para as compras de bens e serviços por parte da Administração Pública.

Em todo esse tempo jamais foi utilizada a prerrogativa prevista no artigo 120 da Lei: “Os valores fixados por esta lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período”.

Até agora.

No último dia 18 de junho foi publicado o Decreto nº 9.412 para atualizar os valores das modalidades de licitação de que trata o artigo 23 da Lei Licitatória. Ficou assim:

Para obras e serviços de engenharia (artigo 23, inciso I):

  • na modalidade convite – até R$ 330.000,00 (era R$ 150.000,00);
  • na modalidade tomada de preços – até R$ 3.300.000,00 (era R$ 1.500.000,00);
  • na modalidade concorrência – acima de R$ 3.300.000,00.

Para outras compras e serviços (artigo 23, inciso II):

  • na modalidade convite – até R$ 176.000,00 (era R$ 80.000,00);
  • na modalidade tomada de preços – até R$ 1.430.000,00 (era R$ 650.000,00);
  • na modalidade concorrência – acima de R$ 1.430.000,00.

De quebra também foram atualizados os valores para compra direta fixados no artigo 24, incisos I e II, já que correspondem a 10% dos limites previstos para a modalidade convite, ficando então no patamar de R$33.000,00 para obras e serviços de engenharia e de R$17.600,00 para compra de bens e serviços.

Apesar de esses valores ainda estarem aquém do que seria justo (a inflação estimada nesse período de vinte anos foi de aproximadamente 230%), já é um pequeno alento aos gestores públicos – principalmente os municipais – que poderão ter um pouco mais de flexibilidade na gestão financeira de suas administrações.

Adauto de Andrade
Advogado especializado em
Licitações e Contratos Administrativos

Contagem de prazos nas licitações

Adauto de Andrade
Advogado especializado em
Licitações e Contratos Administrativos

Trata-se de um tema que, de apesar de aparentemente simples, ainda assim traz uma certa confusão tanto para aqueles que participam de licitações quanto para aqueles que as promovem.

Mas comecemos do princípio.

A Administração Pública tanto direta (Executivo) quanto indireta (Fundações e Autarquias) somente podem efetuar compras de bens, assim como contratar obras e serviços junto a particulares (pessoas físicas ou jurídicas) através do chamado procedimento licitatório. É o que determina o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Não me cabe aqui descer às minúcias de como se dividem as diversas modalidades de licitações, eis que meu intuito é tratar tão-somente da contagem de prazo nesses procedimentos.

Regra Geral

Pois bem. Para o detalhamento dessa regra constitucional adveio a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que instituiu normas para licitações e contratos da Administração Pública. No caso dos prazos mais comuns em procedimentos licitatórios, dentre essas normas temos em especial o artigo 41, §§ 1º, 2º e 3º, o artigo 109, com seus incisos e parágrafos, e o artigo 110, com seu parágrafo único.

Comecemos pelo final, ou seja, pelo artigo 110:

“Art. 110. Na contagem dos prazos estabelecidos nesta Lei, excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento, e considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário.

Parágrafo único. Só se iniciam e vencem os prazos referidos neste artigo em dia de expediente no órgão ou na entidade.

O que esse artigo tem a nos ensinar é o princípio basilar da contagem de prazos em procedimentos licitatórios. Por exemplo: digamos que numa bela terça-feira de sol foi fixado um prazo qualquer de 3 dias para que as licitantes tomem alguma providência relativa à licitação. O dia do ato em si – sessão de abertura de envelopes ou publicação na imprensa oficial – não deve ser contado (“excluir-se-á o dia do início”), mas sim a partir do dia seguinte. Ou seja, excluindo a terça é que se inicia nossa contagem de 3 dias: o primeiro na quarta, o segundo na quinta e o terceiro na sexta-feira (“incluir-se-á o do vencimento”). Desse modo o prazo final para a providência necessária se encerra no final do expediente da sexta-feira.

Mas digamos que esse prazo de 3 dias teve o início de sua contagem numa quinta-feira. Excluindo o dia de início, começaríamos a contagem do primeiro dia na sexta, o segundo dia no sábado e o terceiro dia seria no domingo – mas como trata-se de dia não útil (“só se iniciam e vencem os prazos referidos neste artigo em dia de expediente no órgão ou na entidade”) então o prazo definitivo dar-se-ia na segunda-feira, primeiro dia útil após o final de semana. O mesmo aconteceria caso o evento tivesse ocorrido numa sexta-feira, de modo que, pela mesma regra, excluído esse dia, o início da contagem somente dar-se-ia na segunda-feira (eis que sábado e domingo não seriam dias de expediente), de modo que o prazo final de três dias encerrar-se-ia no final do expediente da quarta-feira seguinte.

E, por derradeiro, a não ser que esteja expresso no artigo de lei ou na regra do edital que a contagem deverá se dar em dias úteis ou de alguma outra forma, por força desse artigo 110 sempre deverá ser utilizada a contagem em dias corridos (“considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário”).

Recursos e Impugnações aos Recursos

De um modo geral, praticamente de qualquer ato da Administração cabe a interposição de recurso pela parte que se sentir prejudicada, de modo a apresentar argumentos que venha a considerar suficientes para que essa mesma Administração eventualmente reveja seu posicionamento no tocante a determinada decisão. E, em especial no caso das licitações, antes mesmo de a Administração avaliar o que foi suscitado na peça recursal, cabe às demais licitantes que venham a entender como correta a decisão original, o direito de apresentar impugnação ao recurso interposto.

É o que prevê o artigo 109 da Lei Licitatória:

“Art. 109. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:

I – recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de:

a) habilitação ou inabilitação do licitante;

b) julgamento das propostas;

c) anulação ou revogação da licitação;

(…)

§ 1º A intimação dos atos referidos no inciso I, alíneas “a”, “b”, “c” e “e”, deste artigo, excluídos os relativos a advertência e multa de mora, e no inciso III, será feita mediante publicação na imprensa oficial, salvo para os casos previstos nas alíneas “a” e “b”, se presentes os prepostos dos licitantes no ato em que foi adotada a decisão, quando poderá ser feita por comunicação direta aos interessados e lavrada em ata.

§ 2º O recurso previsto nas alíneas “a” e “b” do inciso I deste artigo terá efeito suspensivo, podendo a autoridade competente, motivadamente e presentes razões de interesse público, atribuir ao recurso interposto eficácia suspensiva aos demais recursos.

§ 3º Interposto, o recurso será comunicado aos demais licitantes, que poderão impugná-lo no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

§ 4º O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade.

§ 5º Nenhum prazo de recurso, representação ou pedido de reconsideração se inicia ou corre sem que os autos do processo estejam com vista franqueada ao interessado.

§ 6º Em se tratando de licitações efetuadas na modalidade de “carta convite” os prazos estabelecidos nos incisos I e II e no parágrafo 3º deste artigo serão de dois dias úteis.

Antes de mais nada, desde que observadas as regras já expostas na análise do artigo 110 da Lei de Licitações, cabe esclarecer temos três situações específicas que devem ser avaliadas para início da contagem de prazos.

Em primeiro lugar temos a própria sessão de abertura dos envelopes – quer sejam os de habilitação, de proposta técnica ou de proposta de preços, conforme o procedimento. Cabe à Administração Pública decidir se efetuará o julgamento e apresentará o resultado às licitantes presentes ao final da própria sessão ou se a suspenderá para que, oportunamente, efetue seu juízo de valor acerca da documentação apresentada e posteriormente apresente o resultado (“A intimação dos atos (…) previstos nas alíneas “a” e “b”, se presentes os prepostos dos licitantes no ato em que foi adotada a decisão, quando poderá ser feita por comunicação direta aos interessados e lavrada em ata”).

Assim, se a decisão for apresentada ao final da própria sessão, caso estejam presentes todas as licitantes, é do dia da realização da sessão (observadas as regras de contagem) que começa o prazo para interposição de recurso – salvo se todas, eu disse todas, licitantes decidam abrir mão desse prazo.

É importante observar que a lei é clara: “se presentes os prepostos dos licitantes”. Isso porque, caso ausente um que seja, o início da contagem de prazo não poderá se dar a partir do dia de realização da sessão. E, mais, estamos falando de presença propriamente dita, física, pessoal, de modo que são nulos de pleno direito muitos dos artifícios utilizados por alguns membros de determinadas administrações visando “encurtar” o procedimento, que aceitam manifestação de desistência das licitantes ausentes à sessão por meios tais como fax, e-mail e até mesmo via SMS ou aplicativos de troca de mensagens – ainda que com a concordância das demais licitantes presentes.

Em segundo lugar, caso a Administração decida por não realizar o julgamento na própria sessão de abertura dos envelopes ou se ausente qualquer das licitantes, então caberá a estas acompanhar as publicações realizadas na Imprensa Oficial (conforme definido no artigo 6º, inciso XIII, da Lei de Licitações), sendo que é do primeiro dia da veiculação dessa publicação que começa o prazo para interposição de recurso – sempre de acordo com as regras de contagem (“A intimação dos atos referidos no inciso I, alíneas “a”, “b”, “c” (…) será feita mediante publicação na imprensa oficial”).

E, em terceiro lugar, não importando num primeiro momento qual o início da contagem de prazo – se no decorrer da sessão ou através da Imprensa Oficial –, é indispensável que a licitante que desejar recorrer tenha pleno acesso aos autos do procedimento licitatório, quer seja físico, quer seja virtual. Se isso não ocorrer, então, independentemente de quando tenha sido realizada a sessão ou de que tenha havido a publicação, o início da contagem de prazo somente dar-se-á a partir do momento que a Administração Pública efetivamente disponibilizar vistas dos autos à licitante que deseja interpor recurso (“Nenhum prazo de recurso (…) se inicia ou corre sem que os autos do processo estejam com vista franqueada ao interessado”).

Tendo sido esclarecido qual o dia em que se deve iniciar a contagem do prazo recursal, cabe chamar a atenção que a Lei é expressa no tocante ao prazo: tanto para recorrer da decisão de habilitação ou inabilitação, quanto do julgamento das propostas, ou mesmo anulação ou revogação do certame, o prazo é de cinco dias úteis (“recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata”). Ainda assim não se deixa de aplicar o disposto no artigo 110 da Lei Licitatória no que diz respeito a determinar quando se inicia e quando vence esse prazo.

Um outro detalhe que muitas vezes escapa às administrações públicas é que nem sempre se faz necessário aguardar todo o interregno dos cinco dias úteis fixados para o prazo recursal. Basta imaginar uma licitação em que participem apenas três licitantes e, uma vez aberto o prazo, já no primeiro dia uma delas interpõe recurso e logo a seguir, no segundo dia, assim o também o fazem as outras duas. Ora, se todas as participantes exerceram o seu direito de recorrer, não há necessidade de se aguardar o terceiro, quarto e quinto dia útil fixado em lei, podendo a Administração Pública partir para as providências seguintes. Entretanto, pelo mesmo princípio, há que se aguardar todo o decorrer do prazo, não só caso alguma licitante ainda não tenha exercido seu direito de recorrer ou mesmo quando nenhuma licitante sequer venha a interpor recurso. O prazo pertence às empresas licitantes, é um direito delas e não uma mera faculdade.

Caso nenhum recurso seja interposto, após o quinto dia útil (ou seja, a partir do sexto dia) a Administração poderá livremente tomar as providências necessárias para continuidade do certame. Entretanto, se qualquer das licitantes interpor um recurso, então a licitação obrigatoriamente ficará suspensa até que a Administração Pública, tendo avaliado tanto o recurso quanto eventuais impugnações, se manifeste expressamente, decidindo pela procedência ou não do mesmo (“O recurso previsto nas alíneas “a” e “b” (…) terá efeito suspensivo”).

Em havendo algum recurso interposto por uma ou mais licitantes, caberá à Administração comunicar tal ocorrência às demais participantes, de modo que, caso queiram, venham a apresentar impugnação a esse recurso (“Interposto, o recurso será comunicado aos demais licitantes, que poderão impugná-lo no prazo de 5 (cinco) dias úteis”). Como a Lei Licitatória não determina a forma de comunicação, esta poderá se dar tanto através de comunicação direta às licitantes – conforme determinar o edital – quanto através de publicação na Imprensa Oficial. Valem aqui os comentários anteriores acerca de aguardar o decorrer do prazo, uma vez que o direito de impugnar é inerente às licitantes, somente prosseguindo o certame após efetivamente decorrido o prazo ou caso todas tenham expressamente se manifestado.

O último ponto a se analisar no tocante aos recursos e suas impugnações é o prazo fixado para que sejam decididos.

Apesar da redação rocambolesca do § 4º do artigo 109 da Lei Licitatória, a correta sequência de eventos a se observar é a seguinte: a licitante interpõe recurso dirigido a quem cometeu o ato – como, por exemplo, a Comissão de Licitação – de modo que a esta seja dada a oportunidade de retratação (ou seja, rever seu próprio posicionamento); uma vez recebido o recurso, caso quem cometeu o ato decida por manter seu posicionamento, deverá por sua vez encaminhar esse recurso à autoridade superior. Em ambos os casos, tanto o de retratação quanto o de encaminhamento, o prazo é o mesmo, qual seja, de 5 dias úteis (“O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado”).

E agora vem o nó.

Apesar de a Lei Licitatória determinar que a autoridade superior tem o prazo de cinco dias úteis para proferir uma decisão, prazo este contado do recebimento do recurso (“devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade”) – que, dependendo do trâmite interno de cada órgão da Administração, não necessariamente seria logo em seguida ao final do prazo anterior de encaminhamento –, esse prazo não é absoluto.

Pelos mais variados motivos a assim chamada “autoridade superior” pode levar bem mais que esse prazo para tomar sua decisão, cabendo apenas ser responsabilizada administrativamente caso se verifique algum tipo de dano à Administração que seja diretamente decorrente de sua conduta. Nesta situação configura-se o chamado Prazo Impróprio, ou seja, aquele que caso não venha a ser observado não gerará consequências – diferente daqueles classificados como Prazo Próprio, que, caso não venha a ser observado, ensejará a preclusão do direito, ou seja, a perda do direito de agir.

Por derradeiro cabe esclarecer que caso o recurso venha a ser acolhido – total ou parcialmente – quer seja pela autoridade que cometeu o ato ou mesmo pela autoridade superior, ensejando uma nova decisão, dessa nova decisão não cabe um novo procedimento recursal na forma aqui detalhada, havendo outros instrumentos para tanto (tais como a representação).

Impugnações ao Edital

Quando, antes mesmo da data designada para sessão de abertura dos envelopes de uma licitação, uma licitante ou qualquer outra pessoa vier a identificar erros ou falhas no edital, cabe a chamada Impugnação ao Edital, que basicamente obedece as regras do artigo 41 e seus parágrafos da Lei Licitatória:

“Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

§ 1º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1º do art. 113.

§ 2º Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregularidades que viciariam esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso.

§ 3º A impugnação feita tempestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do processo licitatório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente.

Podemos extrair três situações aqui: a impugnação apresentada por qualquer cidadão, a impugnação apresentada por licitante e a forma da contagem do prazo.

Na primeira situação temos que pressupor que a expressão “qualquer cidadão” nos direciona especificamente para as pessoas físicas que terão o prazo de até cinco dias úteis antes da data fixada para abertura dos envelopes para apresentar sua impugnação. Nesse caso a Administração terá a obrigação de julgar e responder a essa impugnação em até três dias úteis.

Na segunda situação temos que pressupor que a expressão “o licitante” nos direciona especificamente para as pessoas jurídicas que, quer venham a participar ou não da licitação, teriam condições de atender o objeto, sendo-lhes relegado o prazo de até dois dias úteis antes da data fixada para abertura dos envelopes para apresentar sua impugnação. Nesse caso a Administração não tem a obrigatoriedade de responder aos termos da impugnação antes da data designada para abertura dos envelopes, nem tampouco pode impedir a impugnante de participar do certame. Entretanto, caso venham a ser procedentes os termos da impugnação, pode vir a ensejar uma revogação ou até mesmo uma anulação de todo o procedimento licitatório.

Já na terceira situação, vamos nos fixar no conceito de contagem regressiva dos prazos – que vale tanto para aquele fixado no § 1º quanto no § 2º. A regra geral continua sendo a mesma, ou seja, para fins de contagem de prazo exclui-se o dia do evento e inclui-se o dia final. Mas, neste caso, temos que considerar uma situação diferenciada. Numa contagem normal de prazo, ou seja, numa “contagem positiva” fica definido um interregno de prazo que se encerra ao cabo do último minuto do dia final da contagem. Contudo aqui estamos tratando de uma “contagem negativa”: segundo dia útil anterior – de modo que não seria razoável pressupor que o interregno de prazo se encerraria no início do primeiro minuto do dia final da contagem. Diante de tal quadro o raciocínio lógico nos leva somente à óbvia conclusão de que o prazo final para apresentação de uma impugnação ao edital se dá no final do expediente do dia útil imediatamente anterior ao do final da contagem do prazo.

Exemplifiquemos.

Suponhamos que uma licitação tem sua data de abertura designada para uma sexta-feira. Qual seria o prazo fatal para apresentação de uma impugnação ao edital? Pela regra geral “excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento”, de modo que deixamos de contar a sexta-feira, dia do evento, e, retroagindo no tempo, contamos a quinta-feira como primeiro dia e a quarta-feira como segundo dia. Ou seja, esse é o interregno a ser observado, o prazo de vacância, assim dizendo. De tal sorte, observado esse interregno, esse espaço de tempo, o prazo final para apresentar uma impugnação dar-se-ia na véspera do último dia, ou seja, até o último minuto da terça-feira.

Os termos da regra geral também se aplicam no que diz respeito aos dias de início e término da contagem, ainda que de forma regressiva, excluídos os dias em que não houver expediente na Administração.

O Pregão

Trata-se de uma modalidade licitatória inserida no ordenamento jurídico pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, especificamente para aquisição de bens e serviços comuns (sem características de complexidade), caracterizando-se por um “leilão às avessas”, onde ganha quem ofertar o menor valor.

No que diz respeito à contagem de prazos esse tipo de procedimento segue a regra geral da Lei Licitatória, conforme dispõe o artigo 9º da Lei do Pregão:

“Art. 9º Aplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Assim prevalece tudo o que já foi dito aqui acerca da forma de contagem de prazos, da data de início, da data de término, dos prazos de julgamento de recursos e das impugnações ao edital.

A única pequena divergência no que diz respeito aos prazos, se comparados àqueles fixados pela Lei de Licitações, refere-se à questão dos recursos e impugnações aos recursos. Diz a Lei do Pregão:

“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

(…)

XVIII – declarado o vencedor, qualquer licitante poderá manifestar imediata e motivadamente a intenção de recorrer, quando lhe será concedido o prazo de 3 (três) dias para apresentação das razões do recurso, ficando os demais licitantes desde logo intimados para apresentar contrarrazões em igual número de dias, que começarão a correr do término do prazo do recorrente, sendo-lhes assegurada vista imediata dos autos;

Diferentemente da Lei Licitatória que prevê a possibilidade ou não de início da contagem de prazos conforme estejam todos presentes ou não na sessão de abertura, no caso do Pregão tal regra é inaplicável. Isso porque obrigatoriamente todos os interessados devem estar presentes na sessão de abertura, uma vez que, se assim não o fosse, não haveria possibilidade de apresentarem seus lances verbais (quer seja sob a ótica do Pregão Presencial ou do Pregão Eletrônico).

E, mais, pelas próprias regras do pregão não há como postergar o julgamento para outro momento, pois faz-se necessário efetivamente declarar um vencedor ao final de cada sessão.

Assim, uma vez ultrapassada a etapa competitiva e a fase de habilitação (somente daquele que apresentou o melhor lance ou proposta) cabe ao pregoeiro declarar o vencedor e, ato contínuo, verificar se qualquer das licitantes tem a intenção de interpor recurso. Em caso negativo, o processo pode ser encaminhado para homologação do procedimento e adjudicação do objeto.

Porém, em caso positivo, tendo uma ou mais licitantes manifestado interesse em interpor recurso, a estas é franqueado o prazo de três dias corridos para apresentação de seu recurso (razões) e, independentemente de qualquer tipo de notificação, ao término desse prazo automaticamente se abre o prazo subsequente de mais três dias corridos para as demais licitantes apresentarem sua impugnação (contrarrazões) – devendo sempre ser observada a regra geral para contagem de prazos, conforme consta no artigo 110 da Lei Licitatória.

Já os demais procedimentos referentes ao julgamento e decisão dos eventuais recursos interpostos seguem o disposto no artigo 109 da Lei de Licitações, já comentados anteriormente.

Conclusão

De todo o exposto, observadas as peculiaridades referentes ao dia que deve ser considerado como o de referência para contagem dos prazos, assim como a forma pela qual deve se dar a notificação de sua abertura às licitantes – e, em especial, o cuidado a se tomar na contagem regressiva – temos que como regra geral no tocante a contagem de prazos em licitações basta seguir o enunciado previsto no artigo 110 e seu parágrafo único da Lei nº 8.666/93.

Estacionamento Rotativo em Vias Públicas- Parte I –

Adauto de Andrade
Advogado especializado em
Licitações e Contratos Administrativos

SUMÁRIO: 1. Conceito de Estacionamento – 2. Vias públicas são bens públicos – 3. Rotatividade e remuneração – 4. Legislação: competência municipal – 5. Municípios: falta de capacidade operacional e financeira – 6. Delegação a terceiros – 7. A licitação é obrigatória.

1. Conceito de Estacionamento

Para melhor compreender a exata noção de “estacionamento rotativo em vias públicas” faz-se necessário trazer definições – tanto conceituais quanto legais – desde a essência do objeto até sua modalidade específica, objeto do presente estudo.

De uma maneira bem objetiva, temos que “estacionamento” é o nome que se dá a determinada área destinada ao repouso de veículos automotores (carros, motos, caminhões, ônibus, etc) de propulsão humana (bicicletas e similares) ou animal (charretes, carroças e outros do gênero).

Nestes tempos modernos, quando o descartável tomou o lugar daquilo que poderia ser consertado, temos que o contínuo crescimento da frota de veículos vem se apresentando cada vez mais como um problema a ser solucionado pelos municípios brasileiros, independentemente de seu tamanho. Além das dificuldades relacionadas à “mobilidade urbana” – termo tão em voga nos dias de hoje – esse crescimento é inversamente proporcional à disponibilidade de vagas de estacionamento, ou seja, quanto mais veículos nas ruas, menos locais há para se estacionar. E essa escassez de vagas atinge tanto as áreas públicas quanto as áreas privadas.

Quando se tratam de áreas privadas, as mesmas usualmente são utilizadas mediante remuneração, ou seja, o proprietário disponibiliza determinada área por determinado tempo – por horas, por dia, semana, mês, ou conforme se dê o ajuste entre as partes – e recebe um pagamento por isso. Costumeiramente se tratam de áreas no mínimo cercadas e com disponibilidade de vagas, o que traz um certo conforto e segurança ao proprietário do veículo, que deixará o bem de sua propriedade “sob a guarda” de alguém, em tese protegido de intrusos – ainda que haja controvérsias a respeito dessa “segurança”, apesar da Súmula nº 130 do STJ (Superior Tribunal de Justiça): “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veiculo ocorridos em seu estacionamento”.

Ainda em se tratando de áreas privadas, temos aquelas utilizadas pelo comércio, que podem ou não cobrar por sua disponibilização. Aí encontramos os pequenos e médios comerciantes, escritórios, clínicas, etc, que permitem a utilização de algumas poucas vagas somente por seus próprios clientes e ainda assim também somente enquanto estiverem sob atendimento. Uma vez concluídas as atividades que o levou até ali, o usuário deixa o local, liberando a vaga para algum próximo cliente.

Uma “versão mista” desse tipo de utilização pode ser encontrada em shoppings e outros centros comerciais de grandes dimensões, onde existem grandes áreas de estacionamento, invariavelmente exploradas por alguma empresa terceirizada que cobra por sua disponibilização, podendo haver, entretanto, a figura da “gratuidade” caso o usuário venha a realizar alguma compra no local ou, ainda, quando for pequeno o tempo de utilização, variando de caso para caso.

Já no que diz respeito às áreas públicas temos que, num primeiro momento, seria permitido estacionar em qualquer das ruas, avenidas, e demais vias urbanas em que não seja proibido. Apesar da obviedade dessa afirmação, excluindo logicamente as faixas de rolagem e calçadas, nem sempre isso significa que há a disponibilidade de estacionar, pois existem locais em que isso não é possível, tais como entradas de garagem (não necessariamente por haver guia rebaixada), frente de estabelecimentos com vagas para seus clientes, pontos de parada de ônibus, em até cinco metros das esquinas e, logicamente, os locais em que placas e sinais de trânsito expressamente identifiquem uma proibição. Esta é apenas uma pequena lista exemplificativa, pois toda a gama de proibições está contida no artigo 181, incisos I a XX, da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, o qual, aliás, foi muito bem regulamentado pela Resolução nº 371, de 10 de dezembro de 2010, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, que aprovou o “Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, Volume I – Infrações de competência municipal, incluindo as concorrentes dos órgãos e entidades estaduais de trânsito, e rodoviários”.

Ou seja, restou evidente que se alguém desejar estacionar numa área privada é porque a mesma pertence a um particular e este pode explorá-la economicamente; mas quando esse mesmo indivíduo desejar estacionar em uma área pública, vale dizer, numa via pública, desde que não se enquadre numa das condições de proibição, sua utilização seria gratuita.

Mas nem sempre.

2. Vias públicas são bens públicos

Nem sempre a utilização de uma via pública é gratuita, pois, ainda que num primeiro momento haja uma percepção do indivíduo de que uma via pública “não pertence a ninguém”, uma vez que possui um caráter de uso comum a todos, de uso coletivo da população, na realidade ela pertence. No caso, ao Poder Público.

Temos então, por uma definição ampla para este estudo, que se uma área não for pertencente a um particular mas for de uso comum da população, sem discriminação de usuários, sem necessidade de qualificá-los ou de consentir com sua utilização, então trata-se de uma área pública. E, nesse sentido, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil Brasileiro, em seus artigos 98 e 99, inciso I, define:

“Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem

Art. 99. São bens públicos:

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

E no caso de logradouros municipais (ruas, avenidas, praças, vielas, etc) a “pessoa jurídica de direito público interno” a que se refere o artigo 98 supra é o Poder Público Municipal. As vias públicas dentro de uma cidade são bens públicos municipais. Tanto o é, que a Municipalidade é a responsável pelas mesmas, uma vez que a esta incumbe a obrigação de administrar e vigiar tais vias, tendo o dever de mantê-las em satisfatórias condições de utilização pela população.

Mas, ainda que por regra sejam vias de livre utilização, isso não significa necessariamente que seu uso não possa ser remunerado – desde que mantido esse caráter de universalidade, de que esteja disponível para utilização de qualquer um do povo sem distinção. É o que permite o mesmo Código Civil em seu artigo 103:

“Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.

E eis que, uma vez compreendidas as definições básicas acerca da utilização de vias públicas para fins de estacionamento, surge a questão primordial: por que um Município iria cobrar pela utilização dessas vias?

3. Rotatividade e remuneração

É neste ponto que chegamos a um novo conceito que deve ser esclarecido: a necessidade de rotatividade das vagas de estacionamento nas vias públicas.

Isso se dá porque, como já dito de início, o crescimento da frota de veículos é inversamente proporcional à disponibilidade de vagas de estacionamento em vias públicas. Em áreas predominantemente residenciais isso não se apresenta necessariamente como um problema; entretanto a coisa muda de figura quando nos referimos às áreas que, segundo o ordenamento urbano de cada município, sejam predominantemente comerciais ou, ainda, em locais que devido às suas próprias características e o grande afluxo de visitantes possui um limitado número de vagas, de modo que compete ao Poder Público garantir a possibilidade de sua utilização por uma universalidade de pessoas, procurando não privar ninguém de usufruir dessas vagas.

Para melhor exemplificar, tratemos das vagas de estacionamento em áreas predominantemente comerciais. Ora, uma das obrigações do Poder Público é justamente estimular o comércio de sua cidade, pois um comércio aquecido é um gerador de riquezas, onde ganha o empresário ao auferir lucro em sua atividade, assim como ganha o próprio Poder Público ao proporcionar a criação de vagas de trabalho, geração de impostos, atração de novos investimentos, etc. É um ciclo virtuoso que deve ser encorajado.

Mas se não houver um controle na utilização das vagas de estacionamento das vias públicas nas proximidades dos centros comerciais esse “ciclo” não se concretiza. Imagine-se que um ou mais sujeitos estacionem em determinada rua, logo pela manhã, bem em frente a um conjunto de lojas e escritórios, dirijam-se aos seus trabalhos e outros afazeres e voltem somente no final da tarde para pegar seus veículos e voltarem para casa. Se alguns poucos assim o fizerem, restaram frustrados todos aqueles outros que tinham alguma intenção de realizar alguma compra, consulta ou seja lá o que for em algum dos estabelecimentos desse conjunto comercial, pois simplesmente não encontraram uma vaga para estacionar. Conforme vimos, é certo que trata-se de uma via pública, de uso comum de todos, entretanto beneficiou-se “quem chegou primeiro”.

E é em decorrência de situações tais como essa que se criou o conceito de rotatividade das vagas de estacionamento nas vias públicas, onde todos têm o direito de utilizar as vagas de estacionamento dessas vias – mas somente por determinado tempo. Decorrido esse tempo, obrigatoriamente deverá ceder a vaga utilizada para outrem. Ou seja, limitando o tempo de estacionamento é possível tanto estimular a rotatividade de veículos quanto o aumento de vagas disponíveis, garantindo a todos uma utilização de maneira igualitária.

Mas tudo tem um custo. Desde a delimitação de vagas disponíveis e implantação e manutenção da sinalização viária até mesmo o pagamento dos salários de agentes de fiscalização de trânsito. Pois, sabe-se bem, de nada adianta o Poder Público estabelecer uma regra e não ter condições de “punir” quem vier a desobedecê-la: é a máxima jurídica de que “não há norma sem sanção”.

E, ao contrário do particular, que pode fazer tudo o que a lei não proíbe, ao Administrador Público somente é permitido fazer aquilo que a lei autoriza. É o chamado “Princípio da Legalidade”, conforme determina a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso I:

“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I – atuação conforme a lei e o Direito;

Ou seja, somente editando uma lei específica de âmbito municipal é que o Poder Público local poderia, de fato, criar as regras necessárias para instituir um sistema de rotatividade nas vagas de estacionamento de suas vias públicas  para atender a demanda e, ainda cobrar por isso. Vale dizer, uma vez que presente a necessidade de rotatividade de vagas, cobra-se pelo uso particular e temporário de determinado espaço público.

4. Legislação: competência municipal

Muito bem. Uma vez que, segundo já visto, o Código Civil Brasileiro permite que possa haver uma “retribuição” pela utilização de bens públicos – no caso, vias públicas – vale dizer, cobrar pela utilização das vagas de estacionamento dessas vias, resta saber também se o Município teria possibilidade de editar legislação própria para estabelecer esse tipo de cobrança, uma vez que a competência privativa para legislar sobre o trânsito não é municipal, mas sim federal, conforme atribui nossa Lei Maior, a Constituição Federal:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(…)

XI – trânsito e transporte;

É por isso mesmo que coube ao Governo Federal a competência para editar a já citada Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro. Mas, vejam bem: essa competência é “privativa” e não “exclusiva”. Melhor dizendo, a exclusividade de atribuição implica num impedimento para sua delegação; já quando a competência é privativa significa que algumas responsabilidades específicas podem ser transferidas, desde que conste expressamente no corpo da própria lei. No caso do sistema de estacionamento rotativo essa delegação é, de fato, expressa, conforme consta no artigo 24, inciso X, do Código de Trânsito Brasileiro:

“Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(…)

X – implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias;

Sendo assim, houve a expressa delegação ao Município para, em conformidade com o Princípio da Legalidade, legislar localmente a respeito do estacionamento rotativo em suas próprias vias. Se bem que, ao analisarmos a questão de maneira menos superficial, perceberemos que mesmo uma legislação local acerca desse tema não necessariamente refere-se a questões relativas ao trânsito em si, sendo mais  pertinente afirmar que trata-se apenas de uma organização territorial em suas próprias vias públicas, possuindo assim uma natureza jurídica estritamente administrativa. Trata-se de um serviço público que é de competência – aí sim – exclusivamente municipal.

5. Municípios: falta de capacidade operacional e financeira

Porém, essa competência exclusiva para editar legislação local que permita ao Poder Público municipal implantar, manter e operar um serviço público de estacionamento rotativo pago não garante que o mesmo tenha a capacidade de operação necessária para sua manutenção. Explico. O sistema de rotatividade das vagas de estacionamento nas vias públicas demanda não só de investimentos iniciais muitas vezes altos, como também de um grau de especialização de seus operadores que nem sempre é encontrado nos quadros de servidores municipais.

Seria necessário ao gestor destinar uma verba específica do orçamento municipal para sua manutenção, manter um quadro de pessoal preparado e qualificado, realizar cursos de capacitação, propor campanhas educativas destinadas aos usuários do sistema, estar atento ao advento de novas tecnologias que permitam otimizar cada vez mais os serviços públicos prestados, enfim, é uma árdua tarefa tentar manter um departamento próprio dentro da Municipalidade que, de modo efetivo, preste esse tipo de serviço à população – ainda mais se considerarmos que invariavelmente a cada quatro anos há a mudança do gestor público municipal, sendo que os novos gestores, mais por motivos políticos que técnicos, nem sempre trazem consigo pessoas qualificadas para atuar como dirigentes de departamentos desse porte.

Ou seja, na maioria das vezes falta ao município tanto capacidade operacional para manter diretamente um sistema de estacionamento rotativo pago, quanto capacidade financeira para implementar e operar o sistema, o que implica na necessidade de buscar investimentos no setor privado, delegando essa responsabilidade a terceiros que tenham a expertise e os recursos necessários para tanto.

Assim se impõe uma nova análise dentro do escopo deste estudo, que é avaliar se o Poder Público Municipal poderia delegar a terceiros a operação e manutenção de um serviço público que seria de sua própria responsabilidade.

6. Delegação a terceiros

Mais uma vez temos que analisar a situação sob a ótica do Princípio da Legalidade, já que não é permitido ao gestor realizar nada além do que a lei autorize. E a autorização para tanto encontra guarida, num primeiro momento, no artigo 30, inciso V, da Constituição Federal:

“Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

(…)

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

São muitas as informações que podemos extrair deste simples regramento, mas, precipuamente, temos que compete ao Município tanto legislar quanto “prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local”. Obviamente restou claro que o sistema rotativo pago de vagas de estacionamento em vias municipais é um serviço público de interesse local. E, ainda, que esse serviço pode ser prestado diretamente (pelo próprio Município) ou sob regime de “concessão”.

Pois bem.

Quando o Poder Público Municipal define em lei local a possibilidade de que em seu território seja implantado um sistema rotativo pago de vagas de estacionamento, nessa mesma legislação pode autorizar que esse sistema seja executado por terceiros. É uma mera delegação da execução dos serviços referentes às suas vias públicas, uma vez que o Poder Público não transfere a propriedade desses bens públicos ao concessionário. O serviço continua sendo público, mas por meio de ajuste administrativo próprio sua execução foi transferida a um particular. Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Municipal Brasileiro, 17.ed, p. 412-413, traz uma definição cristalina acerca dessa situação:

Como o serviço, apesar de concedido, continua sendo público, o poder concedente – União, Estado-membro, Município – nunca se despoja do direito de explorá-lo direta ou indiretamente, por seus órgãos, suas autarquias e empresas estatais, desde que o interesse coletivo assim o exija. Nessas condições, permanece com o poder concedente a faculdade de, a qualquer tempo, no curso da concessão, retomar o serviço concedido, mediante indenização, ao concessionário, dos lucros cessantes e danos emergentes resultantes da encampação. As indenizações, em tal hipótese, serão as previstas no contrato ou, se omitidas, as que forem apuradas amigável ou judicialmente.

A concessão, em regra, deve ser conferida sem exclusividade, para que seja possível sempre a competição entre os interessados, favorecendo, assim, os usuários com serviços melhores e tarifas mais baratas. Apenas quando houver inviabilidade técnica ou econômica de concorrência na prestação do serviço, devidamente justificada, admite-se a concessão com exclusividade (Lei 8.987/1995, art. 16). (…)

Isso quer dizer que, para a concessão desse tipo de serviço público a um terceiro, primeiramente o gestor local deverá avaliar se tecnicamente a prestação do serviço comporta uma multiplicidade de concessionários considerando os valores que serão arrecadados pela utilização do sistema. Melhor dizendo, há que se estimar, de acordo com o 1) número de vagas disponibilizado em relação ao 2) tempo de utilização e ao 3) valor que será cobrado, se o sistema comporta a exploração por mais de um particular, uma vez que, diferente do Poder Público, a atividade daquele visa lucro – ainda que o desenvolvimento dessas atividades se demonstre onerosa para ambos.

Desse modo temos que essa assim chamada “concessão comum” tem um caráter retributivo, pois o próprio valor cobrado pela exploração das vagas de estacionamento é que representará a contraprestação pelo serviço público devido à concessionária, sendo, em última análise, custeada diretamente pelos usuários do sistema.

7. A licitação é obrigatória

Entretanto a delegação de tais atividades não é assim tão simples, não se trata de um mero ato de vontade do gestor (mesmo que tenha providenciado legislação municipal a esse respeito), pois a Constituição Federal, em seu artigo 175, parágrafo único e incisos, determina:

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

O artigo supra, além de estabelecer os itens básicos que a legislação deve conter, é taxativo no que tange à concessão de serviços públicos: “sempre através de licitação”. É uma obrigação e não uma faculdade do gestor. É totalmente ilegal conceder esse tipo de serviço a um particular, quer seja uma empresa especializada ou uma entidade sem fins lucrativos – o que seria ainda pior, pois desenvolver esse tipo de atividade certamente não estaria dentro de seus propósitos sociais. Licitar é indispensável.

Isso porque a delegação desse tipo de serviço público – sistema rotativo de vagas de estacionamento – não se trata de uma “parceria público-privada” e muito menos de um “contrato de gestão”, eis que ambos possuem legislação e características próprias. É uma concessão comum onerosa e, nesse sentido, deve obedecer às determinações da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe exatamente sobre o regime de concessão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal. O artigo 1º dessa lei já deixa isso claro e ainda amplia os itens necessários à legislação municipal que venha a tratar do tema:

“Art. 1º As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.

Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei, buscando atender as peculiaridades das diversas modalidades dos seus serviços.

Mas também é esta lei que possui determinações específicas para a realização da licitação – obrigatória, conforme previsto na Constituição Federal – e faz com que deva ser conjugada com a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece as normas para as licitações e contratos com a Administração Pública.

“Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I – poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;

II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

A primeira nova informação trazida no bojo dessa lei é que a licitação deverá ser na modalidade “concorrência”, e para o que nos interessa para o presente estudo, segundo os incisos I e II do artigo 21 da Lei Licitatória, entre sua publicação e a abertura dos envelopes dos interessados, estipula o prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de interregno no caso do tipo “melhor técnica” ou “técnica e preço” (conforme se verá oportunamente), ou de 30 (trinta) dias nos demais casos.

E, ainda, outra informação que não pode passar despercebida ao gestor que deseja licitar esse serviço público, é aquela fixada no artigo 5º da Lei de Concessões:

“Art. 5º O poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo.

A exigência supra se perfaz através do atendimento de cinco exigências: que haja uma publicação prévia ao lançamento do edital de concorrência, que essa publicação contenha uma justificativa esclarecendo o porquê a outorga da concessão para um terceiro é a melhor opção, que seja devidamente caracterizado qual será o objeto dessa concessão, que seja definida qual a área abrangida e, por fim, que seja determinado o prazo de duração dessa concessão.

Tudo isso, lógico, em conformidade com a legislação municipal existente.

(Continua…)